Procura-se um cartão-postal
Cartão-postal. Escrevi a palavra no título de um post e estranhei. Afinal, há quanto tempo eu e você não preenchemos aquelas linhas, grudamos um selo e saímos atrás de uma agência de correios em qualquer parte do mundo?
Muito, o bastante para mandar a palavra para o limbo onde vivem o telegrama e a fita cassete. Ou não?
Os cartões-postais de verdade parecem ter quase desaparecido. Estacionados no mesmo lugar que suas primas-irmãs, as cartas. No fundo das gavetas de alguém que viveu na era pré-internet com idade suficiente para enviar um escrito por correio em vez de um e-mail.
Ou melhor, uma mensagem por WhatsApp, que o e-mail também já está ficando lento demais.
O nome já explica tudo. Os ditos são feitos de papel, papel do bom, grosso e brilhante. E papel depende de carros, aviões e pernas para chegar ao destino. Caminho longo, às vezes mais lento que o viajante que o enviava do outro lado do mundo.
Lembro de uma vez, acho que foi a última, em que mandei um postal. Estava em Minas Gerais, eram um mimo do restaurante, que se encarregava de enviar. Não custava nada escrever umas palavras do outro lado da fachada de Aleijadinho. Já havia me esquecido dele quanto apareceu, uma semana depois de mim!
Os cartões são do tempo em que o tempo não interessava tanto. A imagem, essa sim importava. Sempre a mais perfeita, o ângulo exato. A tradução de um lugar no mundo, tão distante, tão incrível, tão imaginado.
Ainda por cima, tinha carimbo e selo do pais de origem! Ter vindo de tão longe garantia boa parte do charme de receber um postal. E era só pra você, nada parecido com um atualização no Instagram.
No mundo das máquinas fotográficas ruins, o cartão-postal também costumava salvar a pátria. Máquina profissional era para…profissional. A nossa não tinha zoom, nem filtro, nem programinha de edição rápida. Dá até medo de folhear alguns daqueles álbuns antigos.
Vou ser sincera. Não tenho saudade dos filmes, das revelações caríssimas. Na minha primeira viagem à Europa, eu e minha companheira de viagem tiramos meia dúzia de fotos de cada lugar. O dinheiro (pouco) era pra viajar, não pra gastar uma fortuna com a pilha de filmes.
Não, nostalgia fotográfica não é pra mim… Pois então, o que é que aquele “cartão-postal” ainda está fazendo no meu post? Tudo bem que eu estava em Cuba e Cuba é o lugar que mais se parece com aquele mundo das cartas e dos cartões-postais. Encontrei vários deles à venda. Mas não comprei nenhum.
Por que compraria se podia fazer eu mesma as tais imagens dos carrões anos 50 diante do Capitólio de Havana? Podem não ficar tão perfeitas quanto os cartões coloridos, mas vão sair. E é exatamente isso, estamos produzindo nossos próprios…como posso chamá-los?
A espécie desencarnou, desgrudou do papel grosso, da tinta, da caixa de correspondência. Mas está vivinha da silva, perambulando pelas revistas, sites, blogs, celulares.
Feche os olhos e você poderá “enxergar” vários deles. Lá, da outra dimensão em que vivem, continuam com o cordão-umbilical ligado a certas paisagens mundo afora.
Não são paisagens quaisquer. São as clássicas. Aquelas que permanecem, mesmo que o mundo se desintegre em pixels.
Uma expressão explica o que estou dizendo: “paisagem de cartão-postal”. Para entrar na lista, não basta ser bela, tem que ter personalidade e identidade.
Algumas nasceram assim. Grandiosas e inconfundíveis como as Cataratas do Iguaçu, o Himalaia, as geleiras da Patagônia. Mas a maior parte das nossas imagens mais queridas precisou do talento humano para existir.
Entre as milhares de montanhas da Cordilheira dos Andes, os incas nos fizeram quase decorar o desenho dos picos atrás de Machu Pichu. Sem uma palavra, o Parthenon nos transporta direto para o pensamento grego. E, antes de todos eles, os egípcios construíam suas pirâmides, dando perspectiva humana à imensidão do Saara.
Muitos são como portais, com acesso instantâneo a momentos marcantes da história. Os castelos europeus eternizaram a idade média até nos desenhos animados. A Torre Eiffel congelou o momento em que o ferro começava a moldar o mundo.
Mas não precisa ser antigo pra ser, assim, um cartão-postal. Volta e meia um novo em folha começa a conquistar as máquinas fotográficas. E nem sempre precisam de construções imponentes. Não dá pra negar que o interior da Turquia ficou mais sedutor depois que os balões coloridos acrescentaram poesia às cavernas da Capadócia.
Ok, poucos de nós hoje ainda compram um cartão-postal. Mas continuamos procurando por eles nas nossas viagens. Como voltar do Rio de Janeiro sem uma fotografia do Cristo Redentor de braços abertos?
Depois, podemos clicar os detalhes, inventar ângulos diferentes. Afinal, ninguém mais precisa economizar rolo de filme. Mas, primeiro, até o turista mais metido a fotógrafo vai precisar de uma foto bem ali na frente do seu cartão-postal particular. Nem que seja um selfie no celular.
Podem dizer que é lugar-comum, que é cafona. Mas, se não fizer, vai sentir falta. A foto parece dizer para mim, para você e para os nossos amigos de Facebook: “ Sim, eu estou aqui de verdade! ”.
No fim das contas, mantive o “cartão-postal” do título.
Em pouco tempo talvez, quando os últimos forem vendidos nas bancas, não faça muito sentido falar em cartão-postal. Mas, por enquanto pelo menos, ele não merece a companhia da fita cassete. Talvez porque não dependa mais de papel, caneta, correio ou computador.
Precisa apenas de uma imagem marcante de um lugar único no mundo e de nossos olhares encantados.
Fotos: do meu arquivo de postais particulares. A única excessão é a imagem da Capadócia. Ainda chego lá! 😉
Adorei a crônica!!!!!! Vc conseguiu dizer o que sentimos a cada viagem sem nos darmos conta….. É tudo isto mesmo…. Eu adoro produzir ” meus cartões postais”…. Me sinto parte do mundo, da história…. Acaricia meu ego pela conquista : Estou aqui!!!!!! Apesar de não ser o melhor ângulo ou a foto profissional . Bjss
Fazer parte do mundo e da história…Esta é a melhor sensação que podemos ter numa viagem, Adriana. E muito obrigada pela foto! Ficou linda! Beijos.
Delícia de texto, uma baita reflexão! Há algum tempo eu ia propor aos meus leitores que me enviassem um cartão postal de suas viagens. A ideia era retribuir a todos que me fizessem essa gentileza (mandando de volta um postal de onde eu estivesse) e ajudassem a preservar essa tradição perdida. Mas depois pensei bem e fiquei com preguiça, acho que não daria conta de ficar parando, escrevendo, procurando correios. Ou sim??? Mais fácil um whatsapp com uma foto feita no lugar. Ou não??? De qualquer maneira, saudade define.
Muita gente sente saudades, Silvia. Existe inclusive um site, o http://www.postcrossing.com, que organiza um sistema de troca de cartões-postais. As pessoas cadastradas lá mandam e recebem cartões de vários lugares, uma forma de conhecer outro país e conversar com pessoas de várias partes do mundo. Deve ser interessante. E não congestiona sua caixa de mensagens! 😉